A HISTÓRIA
QUE O BRASIL NÃO CONTOU
Cida Araújo
Pouco, me ensinaram a escola e a sociedade sobre minha
verdadeira história.
Sobre minhas
raízes, realidade.
Ao me falarem da escravidão ressaltaram o poder dos senhores e do povo negro a
submissão.
Falaram-me das correntes, do tronco, da chibata e dos porões...
Não me falaram da resistência, das lutas, da organização.
Deixaram margem para que eu pensasse que o povo negro era idiota, que aceitava
tudo calado.
Ao me falarem das plantações de café, dos canaviais, das minas e dos casarões,
não me falaram da sua força, da sua inteligência, da sua capacidade de fazer um
país com a força de seus braços.
Chegaram a afirmar que o povo negro era preguiçoso. Só trabalhava para não
apanhar.
...Ao me falarem de sua identidade, contaram-me que eles chegavam aos montes,
em navios negreiros,
Marcados a ferro como animais. Vendidos em feiras como mercadorias.
Não me falaram que o povo negro tinha alma, sangue, raízes.
Ao me falarem da sua fé, diziam apenas que eram supersticiosos, feiticeiros,
cultuavam Deuses pagãos.
Não me falaram de sua religião, de sua fidelidade a um Deus vivo, cultuado com
danças, cantos, gestos e rituais.
Não me falaram da alegria do povo negro ante o
reconhecimento, que podiam contar com o senhor de todas as histórias...
Ao me falarem da beleza, definiram-na assim:
Ter traços finos, cabelos lisos e pele clara, era ser bonito.
Ter traços fortes, cabelos crespos e pele escura, era ser feio.
Não me falaram que o negro tem seu cheiro, sua característica.
Sua ginga, um olhar, um brilho especial.
Que o negro de cabeça erguida, encanta.
Que o negro é lindo! Que a negra é linda!
Ao me falarem da sua cultura... Aí, eu tenho vontade de chorar!
Nada falaram.
Fizeram-me pensar que o povo negro era uma folha atirada ao vento
Não me falaram que o povo negro tem um sangue diferente.
Sangue quente, nobre, forte e bonito
O regente de seu corpo, de sua cultura.
Uma energia que enobrece sua arte.
Que faz vibrar!
Que faz cantar!
Que faz dançar!
Que faz surgir sons especiais dos objetos simples e
banais.
Falaram-me muito da Princesa Isabel.
Pouco, ou nada, de Zumbi dos Palmares.
Fizeram-me sentir tristeza por ser negra.
Fizeram-me sentir vergonha por ser negra.
Em meu corpo moreno, mulato, pardo, preto existe a
pigmentação que define minha origem,
Em minha alma vibrante, meu espírito silencioso.
Em minhas veias vigorosas, corre o sangue dos meus ancestrais.
Sangue africano.
Sangue baiano.
Sangue mineiro.
Sangue negro
A pigmentação que dentro da raça humana define o meu povo negro!
AXÉ
Autoria – Cida Araújo
–(Do livro, Paralelos sociais)
Um comentário:
Cida, o seu é um poema para estar nos livros escolares, em jornais de todas as classes, em muros diversos, em painéis para que seu alcance seja infinito. Gostei muito da sua força. Abraços
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